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quarta-feira, junho 29, 2005

A propósito de Mondovino

Fui ver na semana passada este muito interessante documentário sobre o mundo dos vinhos. O realizador pegou na sua câmara digital, percorreu três continentes e falou com diversos produtores vinícolas. Para além de uma resenha de diversas maneiras e artes de fazer vinho, o que mais sobressai no filme é a luta que existe actualmente entre os produtores tradicionais e os produtores capitalistas. Não fazia a menor ideia de que a globalização tinha chegado a este mundo desta maneira: os vinhos estão a tornar-se muito semelhantes em toda a parte do globo, porque o poder de decisão está concentrado em meia dúzia de pessoas, que impõem as suas ideias e o seu gosto. Os grandes produtores norte-americanos estão a expandir-se e abrem joint-ventures em França, Itália e Argentina. E os críticos mais influentes ditam os vinhos que vão ter sucesso ou não. O gosto tende a ser uniformizado e as diferenças entre as regiões estão cada vez mais esbatidas. A maneira de produzir está a tornar-se universal. Mais uma vez, quem tem dinheiro impõe a sua lei e os pequenos produtores estão a definhar. É paradigmático que os maiores opositores a esta globalização sejam produtores já para lá dos 65 anos, que dizem inclusive que “o vinho está morto”. Quando estes desaparecerem, vai ser difícil aos herdeiros resistirem ao apelo do vil metal, proporcionado por estas joint-ventures norte-americanas.

Vem isto tudo a propósito desta notícia sobre a compra de 98% das acções do Manchester United por parte do empresário norte-americano Malcolm Glazer, que assim ficou com o poder de obrigar os detentores dos restantes 2% a terem que lhe vender as acções. Entretanto, Glazer já nomeou três filhos para a administração do clube, retirou-o da Bolsa de Londres e consta-se que quer aumentar o preço dos bilhetes para o dobro. O que é que resta de um clube, tal como nós o conhecemos, depois disto? Aqui há um post muito elucidativo sobre estas duas maneiras de encarar o fenómeno desportivo: a puramente económica ou como indústria de “entertainment” e a dos verdadeiros adeptos que, mais do que quererem que o seu clube faça dinheiro, querem é sentir que o clube lhes pertence. Ganhar ou perder faz parte do jogo, mas é natural que a ligação dos adeptos aos clubes seja maior quão maior for o sentimento de pertença. E se vem um magnata (estrangeiro ou nacional, é indiferente), que só vê cifrões à frente, tomar conta de um clube, este vai inevitavelmente perder a sua base social de apoio a longo prazo, porque os adeptos deixam de ter poder de decisão. Aliás, não é por acaso que um grupo de apoiantes do Manchester United vai fundar um novo clube. Porque nem sempre as decisões com base puramente económica são as melhores, há que também pensar e sentir o clube para além disso. Por exemplo, vender um determinado jogador pode ser vantajoso em termos financeiros, mas desastroso em termos desportivos. Ter os cofres cheios não é sinónimo de sucesso no campo (tivemos este ano mais a norte um caso paradigmático disto).

Espero bem que o Glorioso SLB nunca se veja numa situação destas. Temos a vantagem de o nosso mercado ser bem menos apetecível do que o mercado inglês, mas é absolutamente fundamental que o clube mantenha sempre a maioria das acções da sua SAD, porque isso é a garantia que os seus sócios, enquanto puderem eleger Direcções, ainda são a voz maioritária no destino desta.
E uma SAD precisa de ter um clube por detrás, mas um clube sem sócios nem adeptos não existe.

3 comentários:

tma disse...

A analogia que faço a tudo isto que se está a passar com ManUtd, e que de um modo geral, com as principais ligas europeias, a UEFA e a FIFA, é com a história da galinha dos ovos de ouro, que por ganância, acabou por ser morta.
É um facto: cada vez mais o futebol está mais próximo dos interesses comerciais e menos dos adeptos, e isso pode ter consequências drásticas.
Qto ao Benfica, acho que finalmente encontrou um modelo de gestão adequado ao seu estatuto, que combina profissionalismo com o apelo à mística da grande massa de adeptos (que qualquer bom gestor terá de reconhecer como sendo a maior força do Benfica).
E sinceramente, acho que prefiro uma gestão tipo "de mercearia" (que tivemos até há bem pouco tempo, com os resultados conhecidos...) do que um Malcolm Glazer que nada tem a ver com o clube e afasta os sócios das decisões importantes.

Anónimo disse...

Twnho alguns dos melhores jogos do Benfica nos ultimos anos em dvd ! Troco por outros jogos ou por outro material . Peçam lista para ultramaterial@sapo.pt

S.L.B. disse...

TMA: estou completamente de acordo contigo. Quando se perder o lado "popular" do futebol, este deixa de ter qualquer interesse. Felizmente, no Benfica, deixou-se de lado o modelo de SAD em que o clube não detinha a maioria das acções.

Ao invés, preocupam-me certas ideias que já vi expressadas, nomeadamente pelo Domingos Soares de Oliveira (admnistrador da SAD), de ser possível num futuro próximo mudar o nome do Estádio da Luz (que não é o nome oficial, como todos sabemos, mas o nome "popular") para Estádio qualquer-coisa-que-pague-bem. Uma coisa é o "naming" nas bancadas, outra é mudar o nome ao Estádio. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra.

Anonymous: eu tenho em cassete (betamax e VHS) todos os resumos dos jogos oficiais do Glorioso desde a época 81/82. E também tenho maioria dos jogos inolvidáveis completos (Steaua 2-0, Arsenal 3-1, Leverkusen 4-4, lagartos 6-3, etc) gravados. :-)