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quarta-feira, julho 14, 2004

Dogville

Devo confessar que os filmes do Lars von Trier dão-me vómitos. Não no sentido metafórico, mas literal, mesmo. Desde o Ondas de Paixão e, posteriormente, Os Idiotas (quando o café que eu bebi antes do filme, se passeou alegremente por todos os meus recantos interiores) que decidi: filmes no estilo dogma nunca mais, não vou ao cinema para me sentir fisicamente mal disposto. Não tenho nada contra a filmagem em câmara à mão, mas desde que o operador não se assemelhe a um doente com Parkinson. E, no caso deste tipo de filmes, é ainda pior. Foi deste modo que, propositadamente, não vi o Dancer in the Dark, A Festa e o Italiano Para Principiantes.

Todavia, muitos me perguntaram porque é não iria ver o Dogville, já que era filmado num estúdio e a câmara não se mexia muito. Estive muito renitente em ir, mas acabei por aproveitar a reposição do filme no cinema Ávila para o ver. A parte má da história é que vi a versão "curta" (2h40) em vez da "longa" (3h), mas enfim... Quanto ao filme, é de facto irritante a insistência na câmara à mão, mas acabei por gostar mais do que estava à espera. Existem algumas razões para isso:

- A sensação de controlo sempre à beira do descontrolo cujo clímax na cena final é mais que justificado;
- O cenário estilizado (onde as portas e janelas invisíveis funcionam de maneira dúbia, não é suposto saber o que se passa lá dentro, já que os personagens agem como se elas lá estivessem, mas vê-se tudo na mesma) dá a sensação de artificialidade que está em consonância com a acção e as personagens do filme;
- A progressiva alteração de comportamento de todos os personagens vai criando uma sensação de mal-estar que passa para o espectador.
Tudo isto é construído e controlado por um mastermind obsessivo que nos manipula a seu bel-prazer. E nós acabamos por gostar...

Por outro lado, é explícita uma crítica a uma certa sociedade norte-americana que funciona muito na base da aparência, mas que dentro de quatro paredes não é tão inocente quanto parece. O típico discurso do "the future for our children", "I want to protect my family", "a good sense of community", etc. encerra, por vezes, comportamentos muito suspeitos. Lars von Trier capta muito bem estas contradições e, no fim, são poucos os que não concordam com a atitude de Grace (Nicole Kidman). Em suma, um "3" a cair bastante para o "4".

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